Dança, Brasil!

Normalmente, os grupos artísticos que se dispõem a trabalhar com esta temática acabam por não explorar a imensa riqueza cultural existente em todo o país e, em muitos casos, principalmente no que se refere aos grupos folclóricos, acabam se tornando regionais. Diante das mais distintas possibilidades, o trabalho do Grupo Sarandeiros busca preencher esta lacuna nas artes cênicas brasileiras. No espetáculo que o Grupo apresentou em 2002, “Dança, Brasil”, algumas das principais festas e danças existentes em todo o país são apresentadas, através da apresentação de diversos quadros que espelham os ciclos festivos nacionais, entre os quais se destacam as festas carnavalescas, os festejos Juninos, as manifestações em homenagem ao Boi e os folguedos Natalinos. O Espetáculo “Dança, Brasil”, foi inspirado no livro homônimo do Diretor do Sarandeiros, Gustavo Côrtes lançado pela Editora Leitura em 2000. As danças apresentadas no espetáculo se inspiraram nas grandes festas nacionais presentes nos seguintes ciclos temáticos brasileiros: Ciclo carnavalesco: Afoxé, Frevo, Maracatu; Ciclo Junino: Carimbó, Lundu, Xaxado, Danças Gaúchas; Ciclo Natalino: Guerreiros, Retumbão, Auto do boi: presente nos outros ciclos: Bumba meu boi, Boi Bumbá.

CICLO NATALINO

O ciclo natalino corresponde ao período de 24 de dezembro a 6 de janeiro, quando ocorrem festas em todo o Brasil, comemorando o nascimento de Jesus Cristo. São uma constante neste período a presença dos autos, peças teatrais de caráter moralizador e que tiveram origem na Idade Média. Entre as principais características destas encenações, destacam-se personagens que representam ideias abstratas como o amor, esperança, liberdade, representações de santos e anjos e, por vezes, elementos cômicos. A linguagem simples e o enredo fácil de ser compreendido fizeram destes teatros uma importante forma de catequização dos índios brasileiros pelos padres jesuítas portugueses. O surgimento dos autos natalinos é atribuído a São Francisco de Assis, que teria realizado a primeira apresentação viva de um presépio em 1223, com a inclusão de personagens bíblicos. Em Dança, Brasil!, O Sarandeiros se inspiram nas histórias natalinas e nos movimentos dos brincantes dos Guerreiros em Alagoas e na Dança do Retumbão, realizada pelos católicos após a procissão de São Benedito, celebrada no dia 25 de Dezembro em Bragança Paraense, no Pará.

CICLO CARNAVALESCO

São tantas as variações da festa carnavalesca brasileira, que não seria exagero falar de vários carnavais no país. Registros pagãos desta festa são observados nas celebrações ao deus Baco ou Dionísio, consagradas à fertilidade e ao vinho nos chamados bacanais da Grécia e da Roma antigas. Com o passar dos tempos, a tradição passou a ser celebrada de diversas formas pelos países europeus. No Brasil, advinda das festas portuguesas, marca uma comemoração que teve sua origem ligada aos entrudos (do latim intróito, entrada), cuja regra era a desordem, a bagunça e o barulho. Era comum nestas festas molhar, sujar e bater nos participantes com bisnagas d’água, baldes seringas e outros. O riso e a alegria eram o clímax diante da expressão de susto dos atingidos. A palavra carnaval parece estar relacionada ao latim carnelevamen, transformado em carne vale, que quer dizer adeus carne. Era, pois, o manifesto de alegria pelo fato das pessoas poderem comer carne até a quarta-feira de cinzas. Durante a quaresma, período imediatamente posterior ao carnaval, era proibido pela igreja o seu consumo, para pagamento de penitência dos cristãos. O carnaval europeu trazido pelos portugueses ao Brasil apresentou entrelaçamento com elementos oriundos dos negros escravos africanos que acabaram por dotar o festejo de seu aspecto único e diferenciado no mundo, sinônimo de alegria e pujança. O batuque negro envolveu a celebração de ritmo e dança, destacando-se o samba, presente em quase todos os estados, e o frevo, particular manifestação do estado de Pernambuco. A igreja, que chegou a proibir o festejo no passado, acabou por institucionalizá-lo, dando-lhe data e período específico de manifestação. Em Dança, Brasil, o Grupo Sarandeiros homenageiam as comemorações baseada nos Afoxés, que exaltam a figura dos orixás especialmente na Bahia, e, os Frevos, e Maracatus em Pernambuco, que contagiam as ruas e praças das cidades de Recife e Olinda hás mais de 200 anos.

CICLO JUNINO

No mês de junho, comemoram-se os festejos em homenagem a três santos. São as chamadas festas juninas, que têm início no dia 13 de junho, Dia de Santo Antônio. Este santo português teria vivido em 1195 e fez parte da ordem dos franciscanos, falecendo em Pádua, na Itália, com 36 anos. Bastante reverenciado no Brasil no início do século XX, chegou a ser condecorado patrono do exército brasileiro. No imaginário popular, Santo Antônio também é usado para ajudar na busca de coisas perdidas e também para arranjar casamentos.

Dia 24 de junho é Dia de São João, o ápice das festas juninas. As fogueiras, símbolo máximo da comemoração, estão relacionadas às tradicionais festas pagãs existentes na Europa antes da chegada do cristianismo, realizadas em homenagem aos deuses da fertilidade, em que se comemoravam as boas colheitas e o fim do inverno. Com a ascensão do catolicismo, a igreja tentou acabar com as festas profanas, mas não tendo sucesso, associou-as aos santos existentes no período. A adoração a São João era tradicional na península Ibérica e foi, portanto, trazida ao Brasil pelos jesuítas. Ao contrário da imagem descrita pela Bíblia, de um homem ríspido e severo, tem-se nas festas a sua imagem associada a uma criança meiga e alegre, que adora foguetes e barulho. São Pedro é o último a ser comemorado, no dia 29 de junho. Um dos maiores festejos do Brasil dedicados ao santo ocorre na cidade de Teresina, no Piauí, cuja festa termina com procissão fluvial pelo rio Parnaíba. É conhecido como santo chaveiro, pois a ele foram confiadas as chaves do Reino dos Céus. Foi um dos apóstolos de Cristo, nomeado posteriormente como o primeiro papa da Igreja Católica. É o padroeiro dos pescadores, que realizam procissões marítimas em sua homenagem, e também o protetor das viúvas. Popularmente sua imagem é associada a um velho barbudo e alegre, que espera por todos na porta do céu.

AUTO DO BOI

Bumba meu boi

A origem da festa do boi no Brasil, embora desconhecida, parece estar relacionada com as Tourinhas, festas da região do Minho em Portugal, conhecidas desde o século XII, onde as novilhas eram soltas nas ruas e os jovens corriam a sua frente. Esta tradição ainda permanece na região e em algumas cidades da Espanha. Não havia, entretanto, enredo, canto ou dança. Outra versão afirma que a festa veio do antigo Egito, onde existiam diversas comemorações ao Deus Ápis da fertilidade, cuja figura era representada por um boi que descia o rio Nilo e era seguido em procissão. Durante a comemoração, que também existia em várias partes da África, acontecia a morte e a ressurreição do deus. Acredita-se assim que os negros africanos que vieram escravizados para o Brasil trouxeram a adoração ao boi. Os jesuítas também contribuíram para a sua divulgação através da catequização dos povos indígenas, com a realização de pequenas apresentações de enredo acessível, em que o bem invariavelmente vencia o mal. Mas a festa que se tem no Brasil é única. O boi é um personagem presente em diversas notações no processo de colonização, por constituir importante fonte de renda, sendo dessa forma um ponto comum de interesse. Consequentemente surgiram lendas, narrativas e cultos em torno da figura do boi, marcando sua passagem para o universo folclórico brasileiro, onde a dramatização, as cores, as danças, as músicas e os personagens variam, com o tempo e o espaço, demonstrando grandes particularidades nos estados em que acontecem. O auto fazia parte do ciclo natalino, mas tem sido largamente difundido no ciclo junino e no carnaval, daí a necessidade atual de enquadrá-lo como um auto independente. O enredo é o mesmo em quase todo o país. Nele, a negra Catirina, grávida, tem o desejo de comer a língua do boi mais bonito da fazenda e seu esposo Francisco, empregado do local, mata o animal para satisfazer a mulher e foge. Segue-se uma encenação, com a prisão do fugitivo. Iniciam-se representações de rezas, pajelanças e utilização de remédios milagrosos. Os personagens também são envolvidos por danças e músicas, quando enfim ocorre a ressurreição do boi e a festa pelo seu retorno à vida. Dentre as diversas formas em que a festa do boi se apresenta pelo país o grupo Sarandeiros destaca no espetáculo Dança, Brasil! o Bumba-Meu-Boi no Nordeste, especialmente no Maranhão, e o impressionante Boi Bumbá no Amazonas, disputa entre os bois Garantido e Caprichoso na cidade de Parintins, que realizam uma ópera indígena em plena selva amazônica, em uma das maiores festas do Brasil.